Artigo: Não existe um bolsonarismo
por Daniel Max*
A fulanização na política é algo corriqueiro, vem junto com a denominação de períodos, experiências ou fatos que envolvem determinadas personagens públicas ou históricas e, em alguns casos é usada erroneamente, inclusive, por historiadores e cientistas sociais, quando a preenchem com o sufixo “ismo”.
O sufixo “Ismo” significa “doutrina, ciência ou ramo da, conjunto de ideias etc”. Portanto, está correto dizermos que existe um cristianismo, um budismo, um evolucionismo, um capitalismo, um socialismo, um feudalismo, um fascismo, um humanismo, um marxismo, um liberalismo etc. Geralmente, essa fulanização na política tem dois aspectos e algumas intenções que nem sempre são captadas e por isso são repetidas.
O primeiro aspecto tem a ver com a tentativa de categorizar o que não tem categorização, como as ações de indivíduos ou grupos movidos por interesses, guiados por movimentos, sistemas e/ou mecanismos já existentes. Um exemplo recente disso é o termo “lavajatismo” que é usado para caracterizar um conjunto de medidas (não de ideias, apesar de existir correntes políticas que lhe deram sustentação, como o neoliberalismo, etc), promovidas por pessoas que se utilizaram dos cargos que ocupavam para fazer especulações e incriminações de terceiros a partir de um modus operandi estabelecido pelos integrantes de uma “força tarefa de combate a corrupção”, que contava com o aval do judiciário, do legislativo, do executivo, da mídia e da maioria do público, mas que posteriormente se mostrou mais como uma ação política do que investigativa. Entretanto, ela não tinha nada de científica, tampouco reunia um arcabouço de ideias que pudessem atribuir-lhes o prefixo “ismo”. Se o policial que prendeu Al Capone, em Chicago nos anos 1930, fosse contemplado com um “ismo” pelo modo como pegou o criminoso por seu deslize na sonegação de impostos, nós teríamos um “Eliotinismo” como ciência, doutrina ou corrente teórica.
Inúmeros seriam os casos que poderíamos, aqui, exemplificar nas diversas áreas, nos quais não caberiam aplicar o raciocínio simplista de categorizar ações ou modus operandi como doutrina ou algo semelhante.
Outro aspecto embutido no uso do “ismo” ao final do nome de personagens, que por vezes são medíocres, grotescos e até patéticos, é a tentativa de esconder o que realmente está por trás. A verdadeira ideologia que carrega genes nocivos, se camufla e é camuflada por interesses, principalmente econômicos, para infectar e depois até ser descartado, mas não sem antes deixar um estrago social irreparável ao longo do tempo. Fulanizar virou a tática para escamotear o debate que precisa ser travado sobre a essência ideológica que não está aparente.
Nesse ponto, devemos lembrar o estrago feito pelo nazi-fascismo (corrente de pensamento baseada no autoritarismo, na eugenia, na xenofobia e no liberalismo anti social), que plantou sua semente e depois de derrotada na segunda guerra muitos deram como exterminada. Os democratas e progressistas de toda ordem (inclusive os comunistas) acreditaram, por um tempo, ter eliminado o vírus e ter virado a página a partir da dose única tomada pela humanidade, com a vitória dos Aliados, em 1945. Os liberais e neoliberais que seguem flertando com o fascismo e vivem reclamando dos reveses que tomam, acham que tem mais a ganhar com a ascensão deles (ledo engano), enquanto a social-democracia (outra iludida) flerta com os liberais para a manutenção da democracia neoliberal burguesa, tida como salvadora.
O ex-presidente sempre foi uma figura de baixa estatura política, oportunista, incapaz de formular qualquer teoria (nem o golpe que se beneficiaria em 2023 foi realmente arquitetado por ele), porém, se tornou a expressão e a cara do reacionarismo no Brasil, juntando do “mercado financeiro” aos golpistas baratos, dos violentadores de mulheres e crianças, aos racistas, mas também atraiu o trabalhador desalentado e cansado de discussões que não tratam de sua real condição socioeconômica. Mesmo tendo sido eleito para o cargo mais alto, se mostrou um ser mesquinho e associado aos setores mais tenebrosos na política e no cotidiano. Assim como outras figuras medíocres da história e em muitos casos é bem mais patético, ele tem sido a ponte que a extrema direita e o fascismo precisam para seguir crescendo nos setores mais populares da sociedade, ancorados na utilização das fakenews com a cumplicidade e apoio das bigtechs.
Desde 2018 tenho insistido na opinião de que não devemos reproduzir o que é posto nas redes, dando mais audiência algorítmica para as opiniões mais reacionárias e anti sociais. Tratar como doutrina o sobrenome do ex-presidente é elevá-lo a um patamar que só interessa aos fascistas, aos neoliberais e as maiores corporações capitalistas, travestidas de empresas de comunicação virtual e/ou televisivas. É não discutir a essência própria do fascismo, que nada mais é que uma das faces do sistema capitalista mundial, na sua versão mais cruel e sanguinária, que tem naquele indivíduo um propagador dessas ideias, não um pensador.
Por Daniel Max,
Sociólogo e Colunista do Blog A Voz da Vitória.