Avalovara, obra do escritor vitoriense Osman Lins, é alvo de estudos
AVALOVARA Romance mostra que não se sustenta apenas pela estrutura: há uma invenção na narrativa e na linguagem também
Diogo Guedes, do Jornal do Commercio
Um dos maiores críticos literários brasileiros, Antônio Cândido se rendeu a Avalovara, de Osman Lins. “O que desde logo prende em Avalovara é a poderosa coexistência da deliberação e da fantasia, do calculado e do imprevisto, tanto no plano quanto na execução de cada parte”.
Desde esse depoimento, no prefácio do livro, o romance publicado há 40 anos mostra que não se sustenta apenas pela estrutura: há uma invenção na narrativa e na linguagem também. O professor da UFPE Lourival Holanda, organizador de três volumes de contos de Osman Lins, destaca também o controle da linguagem do autor, um “romântico com cabresto”. Para ele, a modernidade de Osman vem daí e, apesar de alguma semelhanças com os jogos e as restrições que movimentavam os autores do grupo OuLiPo, como Georges Perec e Raymond Queneau, vai além. O pernambucano, ele ressalta, “tem uma atitude crítica com relação à linguagem; não ‘cede’ à expressão: antes, luta com ela”. “Nove, novena e Avalovara são os dois momentos mais altos da produção dele”, afirma.
“O reconhecimento da crítica americana ou canadense só confirma a de Maurice Nadeau, na França que, cedo, viu em Osman um dos melhores escritores da América Latina”, continua Lourival, destacando sua “renovação nos modos de narrar”. “É, no mínimo, uma referência; um encontro – fecundo, sobretudo para quem escreve”, conclui.
O escritor pernambucano Raimundo Carrero entende que a obra pertence a um cânone privilegiado da literatura. “Avalovara é um livro maior não para o Brasil, mas para a humanidade. É do tamanho de Grande sertão: veredas, Dom Casmurro e O romance d’a Pedra do Reino”, define. Fábio Andrade, professor da UFPE, lembra que, quando o livro foi lançado na França, foi considerado um dos três ou quatro melhores traduzidos na década – o prestígio é tão grande lá fora que, até hoje, Osman ganha traduções para o inglês, francês e espanhol (leia abaixo).
Por aqui, ele ressalta, apesar de Avalovara ter sido considerado “difícil” pela crítica, foi um dos livros mais vendidos do Brasil em 1973, quando foi lançado. “A pesquisadora Regina Iguel aponta em Osman Lins, uma biografia literária que o livro foi um dos primeiros a receber uma campanha publicitária massiva no Brasil”, comenta Fábio. O reconhecimento veio por nomes grandes da crítica literária da época, como Antônio Cândido e João Alexandre Barbosa, mas o romance também foi muito incompreendido. “Queriam encontrar em Avalovara um livro explicitamente contra a ditadura, mas ele era muito mais do que isso”, diz o pesquisador.
O livro continua, para ele, fundamentalmente atual. Um dos fatos que mostra Avalovara como uma obra viva é o projeto Uma rede no ar – Os fios invisíveis da opressão em Avalovara, de Osman Lins. Na página www.um.pro.br/avalovara, é possível acompanhar vários percursos da principal narrativa de Osman, com leituras por rotas, por temas, por estratégias, por alegorias, por sentidos e por formação.
Segundo a professora Leny da Costa Gomes, um dos nomes a frente do projeto, a proposta era fazer um levantamento dos elementos arquitetônicos, artísticos e intertextuais da obra. “A ideia era transformar os dados em um sistema hipertextual, que possibilitasse a navegação por links em contínuo processo de alimentação, que poderia ser feito pelos leitores”, conta.
O que impede uma maior circulação do romance hoje, para Fábio, é a falta de textos críticos e professores capacitados. “Muitas vezes, os cursos de Letras acabam estabelecendo uma mediania literária”, defende. “O valor do romance assusta um pouco, exige que quem se aproxime dele se comprometa. Não dá para fazer uma leitura acadêmica rasa”, atesta o pesquisador e poeta.
A experiência de leitura de Avalovara continua disponível, 40 anos depois, para quem quiser mergulhar nos seus abismos.
Escritor ainda pouco valorizado
Não é só Avalovara que não tem o destaque que merece: a obra de Osman Lins como um todo ainda precisa ter sua importância avaliada, principalmente romances como Nove, novena e A rainha dos cárceres da Grécia – a exceção honrosa é a peça Lisbela e o prisioneiro, que foi adaptada para o cinema com grande sucesso de público. Para o professor de Letras Fábio Andrade, a questão é ainda mais grave. “Falta ainda um reconhecimento de toda obra dele, tanto da prosa como do pensamento crítico”, aponta.
“Eu diria, inclusive, que na literatura nacional não surgiu ninguém depois dele que atendesse a tantas exigências da modernidade. Ele era um raro grande escritor que também estava antenado com as teorias da literatura, um caso incomum no mundo”, destaca o pesquisador pernambucano. Fábio lembra ainda que, desde o início da sua trajetória, Osman sempre buscou conciliar conteúdo narrativo com reflexão sobre a forma literária.
Para Lourival Holanda, também acadêmico, é difícil pensar em autor escritor da dimensão de Osman que tenha aparecido em Pernambuco desde então. “Por que Raduan Nassar não nasceu por aqui?”, lamenta. “Muitos escrevem, poucos bem; quase ninguém fez da escrita uma profissão de fé, feito Osman. A estética literária dele é também uma ética; reordenar, na frase, o mundo”.
Ele identifica, no entanto, leitores atentos da obra de Osman no Brasil, como Milton Hatoum, Marcelino Freire e o próprio colega Fábio Andrade. Fábio confessa a referência. “Eu estou tentando tirar essa influência osmaniana da minha prosa. Meu primeiro romance, que estou preparando agora, é uma desconstrução”, revela. “Não deixa de ser uma marca da importância de Osman. Osman para mim: ter que assassinar um pai literário é algo muito simbólico”.
O escritor Raimundo Carrero também foi marcado pela obra do vitoriense. “Quando li Osman, eu modifiquei toda a minha maneira de escrever”, expõe. “Ele é um autor notável que tinha uma compreensão absoluta do romance como uma sinfonia, que é o que até hoje eu levo para as minhas obras. Ele não conta uma história, mas sim as atravessa com os sons, com a luz”.
Mesmo com tanto autores influenciados, Fábio diz que é difícil apontar seguidores do escritor pernambucano. “É difícil conseguir dialogar com a obra dele, é um processo complexo. Costuma se dizer que os grandes escritores não deixam herdeiros literários”, opina o escritor e professor.
Para Carrero, é importante enxergar os 40 anos de Avalovara como um momento perfeito para tirar Osman do esquecimento do público e da crítica. “É uma obrigação dos pernambucanos fazer uma grande homenagem ao romance”, afirma. Uma mesa no Festival Internacional deste ano abordou a proximidade entre o grupo OuLiPo e o autor pernambucano, mas outras homenagens oficiais ainda não foram anunciadas – em 2014, ainda serão celebrados os 90 anos de nascimento de Osman.
Fábio, no entanto, adianta que está tentando organizar com Lourival Holanda um colóquio sobre a obra do pernambucano para comemorar a efeméride em setembro. (D. G.)
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